No mundo existem hoje cerca de 7 mil línguas ainda vivas e faladas. A língua é o nosso principal meio de comunicação. Mas por que não nos basta um único idioma universal? Quais as causas da diversidade linguística?
A mitologia das culturas da Mesopotâmia conta uma história que acabou tendo uma versão também na Bíblia cristã. Essa história fala de um soberano que desejou construir uma torre tão alta que chegasse ao reino dos deuses. Estes, irritados com tamanha pretensão, decidiram como punição fazer com que as línguas de toda a humanidade se confundissem, de modo que cada um falasse uma língua diferente e não mais pudessem se entender. Esta história tem sido usada pelas religiões para explicar a existência de muitas línguas e etnias diferentes.
À parte a mitologia da Torre de Babel e seus significados, a verdade é que muitos milhares de línguas existiram e continuam existindo na Terra.
O esperanto, língua artificial, foi introduzida com a esperança de se tornar uma língua universal.
Malakula, por exemplo, a segunda maior ilha da república de Vanuatu, na Melanesia, é um pedacinho de terra com 100 quilômetros de comprimento e 20 quilômetros de largura. Apesar disso, nessa ilha são faladas 40 línguas diversas, a tal ponto que muitos estudiosos a definem como a “Galápagos da evolução linguística”. Por que tantos idiomas em tão pouco espaço? Por que no mundo existem mais de 7 mil línguas vivas? Por que não nos contentamos com um punhado de línguas universais?
Ainda não existem respostas claras para tais perguntas. Para começar, a variedade linguística não é a mesma em toda a parte. Nas regiões tropicais falam-se muito mais línguas do que nas regiões temperadas. Na Nova Guiné, ilha do Pacífico, existem mais de 900 línguas, enquanto na Rússia, vinte vezes maior, “apenas” 105 línguas indígenas. Mas também nos trópicos a distribuição não é igual, Nas 80 ilhas que formam o arquipélago de Vanuatu (250 mil habitantes no total) são falados 110 idiomas; no Bangladesh, que possui uma população 600 vezes superior, contam-se apenas 41.
O que estudos puderam comprovar é que nas baixas latitudes as línguas são mais frequentemente faladas em zonas restritas do território, enquanto nas altas latitudes as áreas ocupadas por cada língua são muito mais amplas. Tudo isso, no entanto, constituem fotografias de uma situação, e não da sua causa. A latitude está correlacionada à diversidade linguística, mas certamente não é ela quem a cria.
O exemplo da Austrália
Michael Gavin, antropólogo da Colorado State University, construiu e testou um modelo para compreender como determinados fatores geográficos, demográficos e climáticos pudessem influenciar a variedade linguística dos aborígenes da Austrália antes da chegada dos europeus,. Foram identificados 406 idiomas diversos, concentrados sobretudo ao norte e ao largo das costas (com exceção da parte interna do deserto).
Gavin em seguida considerou três fatores.
– O homem tende a migrar nos territórios deixados livres por outras populações.
– O homem se concentra onde as chuvas são mais abundantes.
– As populações humanas possuem uma dimensão máxima, e a partir do ponto em que esses limites são superados, começam a falar duas línguas diversas.
O modelo não incluía variáveis socioeconômicas como contatos entre populações vizinhas, contaminações culturais ou mudanças nas modalidades de subsistência. No entanto, quando ele foi ativado, produziu um mapa da Austrália contendo as posições de 407 línguas, com apenas uma língua a mais do que a realidade, e com uma distribuição bastante similar à real.
Nos mapas, à esquerda, a variedade de línguas observadas e a riqueza linguística na Austrália, antes da chegada dos europeus. À direita, os resultados do modelo elaborado pelos cientistas, que correspondem muito de perto à situação real.
Outros fatores
O modelo no entanto é mais dificilmente aplicável a outros territórios dotados de um pluviosidade mais uniforma do que a australiana (como, precisamente, é o caso de Vanuatu) ou em áreas nas quais a difusão da agricultura determinou o sucesso de uma linguagem, como aconteceu na Europa com as línguas indo-europeias e na África com as língua banto.
Em algumas zonas, a topografia do território, o clima e a densidade da população podem ser a alavanca que desencadeia a diversidade linguística. Em outras, guerras, estratégias políticas ou atividades econômicas poderiam pesar mais.
Quais línguas antigas ainda são faladas?
Existem diversas línguas antigas ainda faladas, mas quase todas correm o risco de desaparecer ao longo deste século.
Calcula-se, como dissemos acima, que hoje cerca de 7 mil línguas ainda são faladas ao redor da Terra. Mas 90% desse patrimônio será perdido no decorrer do século 21. Estão particularmente em risco as línguas antigas que ainda sobrevivem.
Da grande família afro-asiática, o aramaico, a língua falada de Jesus, de linhagem semítica assim como o hebraico, é ainda usada em algumas aldeias da Síria. Entre elas Maaloula, uma cidadezinha localizada sobre os montes Al Qalamoun perto de Damasco, onde, no mosteiro cristão de São Jorge se recita o Pai Nosso em aramaico.
No México, a língua ayapaneco corre o risco de desaparecer. Só dois homens idosos ainda a falam. Mas eles brigaram e agora não querem mais conversar.
O egípcio antigo, por seu lado, ainda é usado como língua litúrgica pela igreja cristã copta. Entre as línguas célticas de matriz indo-europeia, a mais antiga é o gaélico, falado na Irlanda e também em alguns pontos dos Estados Unidos por causa da imigração europeia.
Do ladino ao basco
Deriva, por seu lado, diretamente do latim antigo o ladino, difuso nos vales dos Alpes centrais e orientais (Suíça, Trentino Alto Adige). O ladino oriental se identifica com o friulano, a célebre língua usada pelo cineasta Pier Paolo Pasolini, e que é correntemente falada na região de Friuli, no nordeste da Itália. Mas talvez poucos sabem que o basco é a língua mais antiga da Europa, precedente às línguas indo-europeias e aparentada aos dialetos berberes do norte da África e às línguas caucásicas.