Os glifos circulares, similares a manchas de tinta num papel, carregam palavras, frases simples ou até ideias complexas
Com “A Chegada”, Denis Villeneuve fez o que pra mim é o filme do ano, e certamente um sci-fi pra levar pro resto da vida, assim como outros clássicos do gênero. Não é a história de alienígena que parece, à primeira vista, pois trata-se uma metáfora sobre comunicação e a capacidade de entender os outros. Tem outro conceito importante também, mas esse fica pra você descobrir no cinema.
Vale avisar que há pequenos spoilers pela frente, caso você, como eu, prefira não saber de nada antes de assistir.
Louise Banks, a personagem de Amy Adams, é uma linguista convocada pelo exército americano com a missão de encontrar alguma maneira de se comunicar com os aliens que estão estacionados em doze pontos da Terra. Os chamados heptapods “falam” através de glifos circulares, similares a manchas de tinta num papel.
Esses símbolos não são aleatórios, como qualquer cineasta preguiçoso pensaria em fazer. Assim como é mostrado no filme, eles realmente carregam um significado próprio, variando de palavras simples como “Olá” até frases completas como “Olá Luise, somos aliens mas viemos em paz”. Tudo depende da complexidade da mancha e também da ordem, já que os heptapods se comunicam de maneira não linear.
O designer de produção, Patrice Vermette, queria algo esteticamente interessante, mas que ao mesmo tempo parecesse uma linguagem completamente desconhecida para a nossa civilização. A esposa de Vermette, a artista Martine Bertrand, foi a responsável por desenhar os 15 rascunhos iniciais dos chamados logograms.
A partir dos desenhos, a equipe de design de “A Chegada” desenvolveu um alfabeto com 100 símbolos. Até a intensidade da mancha pode carregar um significado, como senso de urgência, por exemplo. Dessa forma, foi possível expressar uma variedade de ideias sem nenhuma regra ou sintaxe tradicional.
Acontece que tudo isso era só metade do trabalho pronto. A linguagem estava criada, mas como nós, humanos, seríamos capaz de interpretá-la? É aí que entram Stephen Wolfram fundador do WolframAlpha e do software de codificação Mathematica, e seu filho, o programador Christopher Wolfram. Foi o Mathematica, aliás, que ajudou a criar o buraco negro visto em “Interestelar”, de Christopher Nolan.
Juntos, pai e filho possibilitaram a dinâmica científica – exibida no filme – de reconhecimento e tradução dos glifos alienígenas. Além de provar a validade dos símbolos como um idioma, as cenas tornam críveis para o espectador o trabalho de Louise e do físico Ian Donnelly, interpretado por Jeremy Renner.
Os Wolfram’s dividiram cada símbolo em 12 partes, e através de software identificaram diversos padrões nas imagens. Ainda que se assemelhem a uma mancha, grande parte acaba tendo precisamente o mesmo tamanho e formato. A abordagem é a mesma que cientistas precisariam ter para desvendar a linguagem. Segundo conta Stephen Wolfram em seu site, todo o trabalho computacional mostrado no filme é real, inclusive as transformações dos desenhos em palavras.
Apenas uma certa quantidade de logograms foram traduzidos para o filme, mas um vocabulário muito maior poderia ser construído através dessa lógica. Vale dizer que essa obsessão pela verossimilhança foi além da escrita alienígena. Até as apresentações e a lousa que aparece em cena trazem fórmulas de matemática e física que fazem sentido.
Elas foram escritas pelo próprio Wolfram numa tentativa de explicar a viagem interplanetárias dos discos/conchas voadoras. Ele conta que foi chamado de última hora, vários meses das filmagens terem terminado, pois Denis Villeneuve tinha deixado claro: nada podia ser aleatório em “A Chegada”.